ouvi nessas esquinas...

ouvi nessas esquinas...

T.


Os teus dentes nos meus lábios e a tua língua na minha vulva... não. És demasiado bonita para te conseguir conspurcar.
Se não me desses tanta tusa ainda era capaz de me enredar de amor no emaranhado dos teus caracóis, miúda.
Duas semanas e deixavas de a reconhecer. Diz a música e escondo eu.

L.

E de repente, 
Volto adolescente. 
Aqui deste lado
Ensaio o meu fado 
Penso um bocado 
E pergunto:
É desta? 
Vamos lá.
Dar as cartas
É o que há
Corações e setas
Intenções incertas 
Um buraco para a morte feito sem pá
é a vida que entra 
quando entras 
aqui
Não espero,
Aguardo 
Mas quero 
Sim, 
ardo
E todas as palavras 
de todas as bocas 
(desfalecem sentidos) 
perante a tua voz
Vem ter comigo
Do rio, minha foz
Sorrio
meu amigo
Sorris comigo 
E se tudo for perfeito
Resolvemos a adivinha 
Tenho a minha boca na tua
Ou tens a tua boca na minha? 


A.

Assim que entrei, e ainda com a porta entreaberta, tomou-me o pescoço, as nádegas, a boca. Devorou, furiosamente, toda a carne que conseguiu abocanhar.
É sempre bom para o ego ser desejada cegamente.

J.

Estava capaz de te lamber o baton vermelho.
Mas tu ias gostar e eu ia querer mais.
E não sei se mais ainda não será pouco para nós.

P.

Uma noite ele agarrou-me pelos cabelos e pôs-me no meu lugar. Não sei bem porquê, nem ele por certo percebeu de onde veio tal impulso. Mas nunca de lá consegui sair, da força dos dedos grosseiros entre os meus cabelos.
A violência repentina ainda a sinto na pele e respondo sempre com o mesmo afagar da sua barba. Suave e macio.
Mas tudo se passa sem falar nada. Só breves instantes de doce efabulação como se também fossem verdades o que se passa do outro lado.
Para mim há verdade no que eu pressinto mas eu venho da noite onde tudo é possível, até ser posta no meu lugar sem estar à espera.
Sei que não devia, perdoa-me por isso, mas estou presa ao ritual da minha mão na tua face. E é um ritual, convenhamos ...

M.

Tu não sabes (doce ilusão de óptica) que quando olho para ti só penso levar-te para um beco mal iluminado e abocanhar-te o pescoço o colo as mamas a boca e a minha mão no meio das tuas pernas. A outra puxa-te bem o cabelo para que saibas quem é a fêmea que manda. E tu deixarias, submissa e abandonada.
Entregava-te assim o poder.
Toda a puta dominadora sabe que o poder pertence verdadeiramente ao escravo.

J.

Quantas respirações são precisas para fazer-te morrer na minha boca?



A.


Quando eu for grande, quando eu for grande vou sair daqui e vou encontrar a minha mãe e ela vai fazer um colar com pedrinhas daquelas que brilham daquelas que há no mar onde ela está e com o meu colar ao pescoço nunca mais me perco no escuro. O meu colar vai matar o escuro. Quando eu for grande mato o escuro.
(...)
Quando era pequeno, quando era pequeno tinha medo do escuro e amava a minha mãe. Acreditava que um dia ia encontrá-la que ela um dia me achava. Pensava que era possível sufocar o escuro num colar de pérolas, lentamente, até desaparecer. Quando era pequeno ainda não sabia que para além do escuro só existe um mar de nada e que a puta que me pariu só foi mãe quando se afogou no meu peito e deu à luz a minha sombra.


S.

(...)
Alguém se oferece?
Não?! Então escolho eu!
Tu!
Levanta-te.
Levanta-te! Não lamentes a tua pouca sorte! É só uma merda duma pistola encostada à tua bela cabecinha, quase parece um beijo, uma carícia, comparada à faca na garganta que me esperava ao acordar para mais um dia de merda a juntar-se a todos os outros dias de merda nesta engrenagem da grandiosa máquina de fazer merda que é minha vida! Vá, não tenhas medo... não sabes que o medo é um dos mais antigos instintos que se conhece do ser humano? É como a foda, mais antigo que o próprio homem! Foda e medo! Que bela parelha! E não sabe bem, foder? Foder sempre e mais, e mais e mais! Foder todos muito bem fodidos, até não poder mais! O medo então... aquela cegueira que todos conhecemos tão bem, que ataca sempre sem estarmos à espera, que não nos larga, que nos persegue, o nosso mais fiel companheiro... Foder e temer, este é o grande segredo da vida! Acabei de perceber o grande mistério da puta da vida! Tens que escolher entre a foda e o medo! Ou fodes ou temes! Ou fechas os olhos e fodes tudo e todos que te aparecerem pelo caminho ou deixas que o medo te cegue e acabas por ser fodido por alguém... E ninguém gosta de ser fodido, todos querem foder, mas ninguém gosta de ser fodido. Podia ter sido um novo messias! Revelar a verdade a todos aqueles que acreditam, coitados, em verdades ditas absolutas e correctas, tipo, o amor e a igualdade... E todos compreenderiam as minhas palavras, e seguiriam os meus mandamentos, bando nómada de fornicadores e cobardes, e tudo seria muito mais fácil, porque ninguém iria viver na ilusão de encontrar a terra prometida, fértil e rica onde abundam florestas exuberantes e palácios majestosos, onde há abundância de comida e bebida, onde não existe espaço para tristezas e misérias, onde tudo é perfeito e simples, e onde só existe paz e felicidade...! Felicidade... a maior mentira que nos impingem desde que somos pequenos. Queriam criar uma raça perfeita, iludida e no entanto criaram amputados e leprosos. Olhem bem para mim! Olhem bem para ele! No fundo não existe qualquer diferença...! Somos o produto duma máquina defeituosa, somos apêndices desnecessários, pedras no sapato de um deus que não nos ama, não nos compreende, não nos ouve, não nos vê! E ainda tentaram convencer-me de que ele tinha cá posto um filho que supostamente morreu por nós, pela redenção dos nossos pecados! Puta que os pariu! Mentirosos!
Eu sou o meu deus, e sou o filho que ele pariu, alucinado, e morro todos os dias uma morte dolorossíssima que não escolhi para mim!
(...)

...

(Por e para V.)
...
Não havia mais nada a dizer. A porta fechou-se e lá fora ficaram quietas as árvores e as ruas abandonadas pela tia, uma mulher imensa, ruiva de cabeleira encaracolada e pele sardenta. Uma mulher altiva e rude que as mal tratava fisicamente com um chicote velho, como uma cauda de macaco morto a tiro. As divisões surrealistas da alma das crianças velhas, e os cobertores que cheiravam a mofo e a fumo de cigarros apagados nas costas e nas pernas peludas.

Gritava por vezes:

- Teresa! - Mas Teresa não respondia. Muda no seu silêncio virginal, mas cheio de sangue a escorrer pelas duas pernas abertas, escancaradas fazendo adivinhar a sua ostra, já sem pérola, mas brilhante e húmida e morna, treme por dentro da pele, por detrás da superfície da pele. Olho para o lado, existe uma esquina onde durante anos esperou por ele. Fizesse frio ou calor, lá estava, esperando. Olhava para a multidão adivinhando o seu rosto. E sempre se desiludia, sempre! Ficou assim para sempre. Para sempre? Sempre é sempre muito tempo, e indefinido para mais… Por ventura, serão as sombras verdes que punha nos olhos? Ou as pestanas postiças mal colocadas? Não. Era apenas o seu olhar, luz vaga no quarto ao lado, ainda os recortes de pessoas que passam, e cá dentro a mão no lençol de flanela amarela. Sempre gostou da sensação da flanela junto ao seu corpo frio e magro, pode-se mesmo dizer ossudo. Existem sempre reticências num ponto final.